Lamento de Carrité |
|
---|
Seu môço, o mundo hoje em dia
Tá d’um jeito qui a gente
Num pode cumpriendê,
Véve tudo, francamente,
Disgostoso, discontente
Cas injustiça qui vê.
Inté nas coisas sem porte,
As pessoa ismiuçando,
Vê grande recramação,
Tudo se queixa da sorte,
É u’a luita de morte,
Sem havê conformação.
Inscute, sem môço, os termo
Qui um carrité me falô,
Quonde c’um eu se incontrou,
Tardinha, já quaje iscuro,
Tava num canto de muro,
Sem conforto, sem abrigo,
Tendo apena cuma amigo,
A sujeira do munturo.
Cum voz fraca e bem baxinha,
Qui eu quaje nem uvia,
Pesaroso, assim dizia:
- Quem fui eu, quem hoje sou
Vivo assim disinludido,
Abandonado, isquicido,
Cumo um troço sem valô.
Quando eu pissuía linha,
Meu vivê era um locé,
Drumia boas madorna,
Irriba das coxas mornas
Das moça, mais das muié.
E continuô falando,
Tristonho, se lastimando:
- A minha sina é ingrata,
O meu vivê já não presta,
Rolá no meio do lixo,
É o prazê qui me resta.
N’ua tragédia mardita,
Minha vida se margúia,
Todos véve me insurtando,
Mangando, jogando puía,
Proquê minha sorte misquinha,
Fez passá toda minha linha,
Por um fundo d’uma águia.
E agora, seu moço, eu digo,
Pensando mêrmo comigo,
Cumo esse carrité
Tem muito home no mundo,
Qui foi rico e potentado,
E dispois pobe, arrasado
Num disadoro prifundo,
Fica inté considerado,
Um pária vagabundo!
*Poeta nordestino de conhecida família sertaneja, nasceu na cidade de Exu, no sertão de
Pernambuco, em 1904. Morreu aos 91 anos, no Recife, em março de 1995.
Foi Comerciante próspero e fazendeiro respeitado e até Major da Guarda
Nacional, através de um título honorífico. Cursou o primário, e iniciou o
secundário mas com a morte do pai teve que assumir os negócios da família
aos 15 anos de idade e parou de estudar. Casou duas vezes e teve cinco
filhos no primeiro casamento com Dona Hortulana e mais 14 com Dona
Idalina. Hábil comerciante fez fortuna. Personalidade forte, foi
prefeito de Exu. Inteligente e sagaz, deixou uma obra intelectual
vigorosa, retratando o homem do campo e destacando o sertão como
cenário.
Por Otacílio Pereira de Carvalho*
|
da redação do Nordeste Rural |
Nenhum comentário:
Postar um comentário