CARRO DE BOI DO SERTÃO
Eu estava sossegado
Sem lembrar o que passou
Mas o Dantas suscitou
Um pouco do meu passado.
No rincão que fui criado
Não se tinha a condução
Mas toda a população
Com um transporte contava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
De cambão ou boi carreiro
Boi de quarta, o que for
Só quem pode dar valor
É quem passou por roceiro.
Quem já foi um estradeiro
Nos confins do meu sertão
Quem na vida foi peão
Quem na corrida laçava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
Fui criança, neste mundo
De transporte primitivo
Mas na memória revivo
Um período fremebundo.
Pelo meu sertão jucundo
Não passava o caminhão
Não se tinha u’a estação
Mas o povo se espalhava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
A canção daquele carro
Era a minha própria sina
Ou verdade cristalina
Do meu chão – aquele barro.
Essa história, agora narro
Em tom de contemplação
Ao lembrar de um carvão
Que a voz do carro afinava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
O carvão sempre presente
Dando vida para o eixo
Por cima de pau e seixo
O som era comovente.
Tenho guardado na mente
Tão nobre recordação
Dentro do meu coração
Que no carro palpitava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
Quando a noite aparecia
Um farol – o candeeiro
Logo vinha ao cimeiro
Pra mostrar por onde ia.
Por onde o carro seguia
Dentro da escuridão
Sem medo de assombração
O carreiro bem tocava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
Bem cedinho – novamente
Uma canção bem distante
Naquele tom trepidante
Convidava pro batente.
Algo assim sem precedente
Um verdadeiro condão
Um poder de persuasão
Que a todos dominava
E o carro de boi passava
Cantando a minha canção.
De chorar, tenho vontade
Quando me vêm à memória
Os detalhes dessa história
Que marcaram certa idade.
Eis a minha identidade
Perdida na contramão
Sem saber qual lotação
Ao meu peito traz a lava
Que o carro de boi deixava
Cantando a minha canção.
Silva Filho
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